A entrevista concedida por Roberto Campos Neto, ex-presidente do Banco Central (BC), à Folha de S.Paulo, transcende o campo das declarações técnicas para adentrar uma crítica estruturada à espinha dorsal do atual projeto econômico e social do governo Lula III. Com uma argumentação pautada em dados e lógica de mercado, Campos Neto desmonta — sem rodeios — o que considera ser uma ilusão de justiça social baseada em expansão fiscal e assistencialismo crônico.
O ponto central de sua análise recai sobre o que chama de “obsessão com a igualdade”, uma característica que, segundo ele, desvia o foco da verdadeira missão do Estado: a redução da pobreza e o estímulo à mobilidade social. Ao tentar impor uma igualdade artificial, sustentada por impostos elevados e endividamento crescente, o governo acaba paralisando o investimento privado, gerando efeitos colaterais como inflação estrutural, juros elevados e produtividade em queda.
Nesse sentido, a crítica de Campos Neto ganha força por ser fundamentada não apenas em teoria econômica, mas em uma trajetória à frente do BC em momentos de crise e retomada. Sua leitura aponta que as intervenções públicas, longe de corrigirem distorções, acabam aprofundando desequilíbrios.
Outro aspecto sensível abordado na entrevista é a possível contribuição do Bolsa Família para o aumento da informalidade no mercado de trabalho. Campos Neto evita deslegitimar o programa, mas questiona sua eficácia em determinadas regiões, onde o número de beneficiários supera o de trabalhadores com carteira assinada. Trata-se de um alerta incômodo, porém necessário, diante da realidade de 12 Estados com mais dependentes do programa do que empregados formais — dado revelado pelo Poder360.
O silêncio forçado sobre esse tipo de crítica, especialmente quando parte do setor empresarial, também é destacado pelo economista. O ambiente hostil à divergência é um sinal preocupante para a saúde do debate democrático e para o aperfeiçoamento de políticas públicas.
Campos Neto denuncia uma estratégia perigosa: estimular a demanda no curto prazo com transferências de renda enquanto sacrifica os pilares que sustentam o crescimento de longo prazo. Essa escolha, segundo ele, cria um ciclo vicioso que culmina em um Estado hipertrofiado, sufocado por sua própria estrutura, e em um setor privado sem margem para investir ou inovar.
É nesse ponto que sua crítica se transforma em um chamado à responsabilidade fiscal e à racionalidade política. Para ele, insistir em um modelo onde a intervenção pública tenta compensar distorções do mercado é uma aposta fadada ao fracasso — o “jogo acaba”, como diz, quando a injeção de recursos públicos deixa de produzir qualquer retorno social relevante.
As declarações de Roberto Campos Neto não são apenas opiniões técnicas, mas uma convocação ao debate sério sobre os rumos do país. Num momento em que o governo Lula III parece dobrar a aposta em políticas de redistribuição sem lastro em produtividade, as advertências do ex-presidente do BC funcionam como contraponto necessário.
Ignorá-las, ou desqualificá-las como oposição ideológica, é optar por um caminho onde os efeitos colaterais — dívida, informalidade e estagnação — podem se tornar permanentes. Ao contrário do que sugere a retórica governista, nem toda crítica é sinônimo de desumanidade. Às vezes, é justamente ela que antecipa a tragédia que o discurso populista insiste em mascarar.
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